2.12.07

A Conspiração Que Falhou

Bastava um investimento de R$ 5 em pilhas alcalinas para seu radinho AM e qualquer brasileiro com título de eleitor e certificado de reservista poderia acompanhar uma sórdida conspiração neste domingo. Cuidadosamente arquitetada para livrar o Corinthians do rebaixamento, a Conspiração envolveu jogadores, treinadores, dirigentes, imprensa, milhares de torcedores. O time do coração de Lula seria salvo da Segundona e tudo ficaria bem. Conheça os personagens da trama:

Orozco, zagueiro do Inter. Ao escorar de cabeça aos 12 minutos um cruzamento, abriu o placar pro Inter contra o Goiás. Com isso, o Corinthians poderia até perder que escapava - e no momento perdia com grande ânimo para o Grêmio.


Anônimo inventor da camiseta horrorosa do Paraná Clube. Ao ser criado, em dezembro de 1989, o Paraná Clube recebeu uma camiseta de duas cores. Era impossível o Paraná se salvar na última rodada do rebaixamento: ao olhar este uniforme, qualquer adversário se empenhará para sová-lo. Foi o que fez o Vasco. Com os 3 x 0 na cola, o Paraná deixou só uma vaguinha na Segundona para Goiás e Corinthians - e lembrem, o Goiás perdia.

Patrício, lateral-direito do Grêmio. Aos 30 minutos de jogo, Carlos Alberto escapa pelo lado direito de ataque do Corinthians, cruza. Clodoaldo está no meio da área. Apesar do cruzamento ser baixo e fraco, seu marcador, Patrício, não consegue se antecipar. Não consegue botar o corpo sequer. Tenta cortar a bola com o calcanhar em um movimento bizarro. Ele só estava sendo ele mesmo - por isso, peça perfeita para a conspiração macabra. Gol do Corinthians.

Torcida do Grêmio. Aos 29 minutos de jogo no Olímpico, os rádios anunciam o golo do Goiás. O estádio explode em alegria. Todos se voltam para a superior onde está a torcida do Corinthians e passam a gozar da cara paulista. O lateral gremista Bustos olha embevecido o espetáculo. Enquanto isso, Carlos Alberto escapa pela ponta esquerda e... vocês já sabem o que houve.

Mano Menezes, técnico do Grêmio. Deixou Eduardo Costa no banco. Deixou Ramón no time. Tirou um meio-campo e pôs um centroavante. E, sobretudo, inaugurou a Avenida Lado Esquerdo no Olímpico ao colocar ali Bustos, que já não sabe marcar ninguém na sua posição de origem, a lateral-direita. Os jogadores do Corinthians passearam ali o jogo todo. Aos 30 minutos do primeiro tempo, Carlos Alberto escapou e... enfim.

Paulo Baier, dono do time do Goiás. Contra o Corinthians, no Jogo de Seis Pontos do rebaixol, perdeu um pênalti. Aos 9 minutos do segundo tempo no Serra Dourada, com o Goiás empatando e sendo rebaixado, ele pega a bola para bater um pênalti. Erra. O juiz manda voltar. Ele erra novamente.



Torcida do Goiás. 45 do segundo tempo, Goiás se defende apenas para garantir o resultado que o livra do descenso. Consegue um contra-ataque. Um torcedor do Goiás invade o campo e dá mais alguns minutos para que o Inter faça um gol. Não acontece, por pouco.

O plano era perfeito. E estava correndo muito bem. Mas como em 1994, quando o Britto quebrou o acordo de rodízio de partidos no governo gaúcho firmado em 1982, algo deu errado na parte sempre mais frágil dos planos: as pessoas. Alguns seres humanos decidiram botar água no chope. Heróis brasileiros que tomaram a decisão certa, como sempre a mais difícil.

Clemer, goleiro titular do Inter. Paulo Baier bateu tão mal o pênalti, mas tão mal, que era impossível não defendê-lo. O Brasil todo o consideraria um aleijado se não pegasse aquela bola.
Mas Clemer foi correto. Não deixaria que o empate salvasse o Corinthians. Tomaria o gol. Se adiantou clamorosamente. Disse, entre dentes, para Baier: "vai bater até aprender". Se adiantaria quantas vezes fosse necessário - de fato, o fez três vezes, mas na terceira o batedor Elson não se fez de rogado e chutou direito. Clemer não sabotou o plano tão bem que parecesse acinte e nem desistiu de fazê-lo - pareceria covardia.

Djalma Beltrami, juiz de Inter e Goiás. Ele começou se insurgindo contra o estratagema corintiano de sair do vestiário quase 15 minutos depois do horário marcado pro jogo, tentando começar depois que o jogo do rival Goiás. Inventou que Clemer estava com a camisa igual a dele e atrasou também, ora bolas. E depois, os pênaltis. É de muita hombridade mandar voltar tantos pênaltis. Onde tem Beltrami, tem emoção: e patriotismo. A nação precisava daquele gol do Goiás.

Felipe; Betão, Zelão e Fábio Ferreira; Bruno Octávio (Arce), Vampeta (Héverton), Carlos Alberto, Moradei, Lulinha e Éverton Ribeiro (Ailton); Clodoaldo. Técnico: Nelsinho Baptista.
Eles foram movidos pela honra. Eles fizeram o que era certo. Eles não conseguiam chegar no gol do Grêmio e, para não causar injustiça, não tentaram nenhum gol chiripa, não fizeram de escanteio, deram dois contra-ataques sem goleiro. É simples: o Corinthians fez tudo errado e pagou por isso. Em um país injusto, onde ninguém segue regras, esses 15 cidadãos são um exemplo.

Por causa do Corinthians, eu ainda tenho fé no Brasil.