Sacanagem da grossa
A história me lembrou o causo do amigo Zédson. Ele, tricolor fanático, não aguentou a ansiedade horas antes da final da Libertadores de 1995 (vencida pelo Grêmio) e foi para o cinema no horário do jogo. Saiu no meio do filme e foi perguntar para o tiozinho da roleta quanto estava a partida. O tiozinho ouvia o jogo num rádinho de pilha. Pena que eu não lembro qual era o filme, daria um colorido todo especial à história.
A minha situação é a seguinte. Eu, colorado fanático, estou esperando no aeroporto de Curitiba por uma conexão para o Rio de Janeiro, onde o dever me espera. São 18h06min. O Inter pisa no Beira-Rio contra a LDU, pela Libertadores, em uma hora e nove minutos. É o Jogo do Ano. Da década, talvez. Desde o início da Copa, que paralisou todas as demais competições futebolísticas do planeta (exceto a brava USL), colorados não fazem nada além de ansiar por este jogo. Uma vitória simples nos joga de volta para 1989, com a chance de vingar a derrota para os paraguaios do Olímpia, desta vez enfrentando os paraguaios do Libertad.
Até hoje ao meio dia, tinha a garantia de desembarque na Cidade Maravilhosa por volta das 17h, com grande folga para chegar ao hotel e procurar a colônia alvi-rubra mais animada do Estado da Guanabara. Mas fuderam com a minha vida. O vôo que eu embarcaria atrasou quatro horas. Se eu embarcasse nele, perderia a conexão em São Paulo. Todas os demais aviões que partiriam de São Paulo ao Rio estavam lotados. Não havia mais vôo possível para mim. Todas as alternativas estavam em cheque em razão da falta de assentos. Só na listinha de espera. Na pior das hipóteses, eu chegaria em Guarulhos às 19h e veria o jogo por lá, enquanto tentaria uma vaga num vôo para o Rio mais tarde. Incerto, mas o futebol estava garantido. Havia ainda a possibilidade de embarcar somente no dia seguinte. Profissionalmente era muito ruim, mas, em não havendo escolha, satisfaria este coração colorado.
Pedi para entrar na lista de espera de um vôo para o Galeão que sairia de Porto Alegre às 15h, com escalas em Curitiba e Campinas. Horrível, mas eu ainda chegaria a tempo para ver o jogo. Eis que, contra todas as previsões, uma vaga abre neste vôo e eu saio todo pimpão pela sala de embarque. Durante o vôo, resolvo checar a passagem e entro em estado de choque: ganhei uma conexão alternativa, teria de desembarcar em Curitiba e embarcar para o Rio às 19h10min, cinco minutos antes do Jogo do Ano.
Daqui da capital paranense, sinto o cheiro do churrasquinho na esquina da Padre Cacique com a Otávio Dutra, o ponto médio entre o apartamento dos meus pais e o Beira-Rio, aqueles 100 metros de alegria que eu percorro com o distintivo colorado pulsante no lado esquerdo do peito desde criança. Desde ontem, já estava conformado com a idéia de perder a vibração dos 50 mil companheiros que estão lotando o Beira-Rio enquanto digito estas palavras, a 800 km de distância. Dei minha carteirinha de sócio para o EGS, fiel amigo de arquibancada.
Mas perder de ver o jogo na televisão é a mais alta sacanagem. Chegarei no Rio às 20h30, se não houver atrasos. Com sorte, encontrarei numa tevê ligada no 39 e verei os minutos finais. Não há dúvidas de que se trata uma punição divina.
O transporte aéreo de passageiros no Brasil está virado numa enorme e fedida rodoviária. Ah, vocês sabem qual companhia estou voando? Gol, meus amigos. "Gol".
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